Você já se deu conta que a história de vida da maior parte dos gestores só teve acerto? Tudo deu certo: infância, escola, amigos, universidade, primeiro emprego… Sei bem que a função arquetípica da figura do herói é ser inspirador, e então busca-se revestir estes líderes com partes específicas de suas trajetórias que possam ser vistas como exemplares. Mas se pretendemos, como comunicadores organizacionais, conseguir obter uma conexão entre as chefias a suas equipes, ou entre os contratantes e seus fornecedores, ou entre os entrevistados e os jornalistas, não está mais que na hora de colocar outras verdades nos discursos?
Bem, isto é um pedaço do que tenho estudado em torno do storytelling como narrativa da experiência. Entre as características que cada vez mais têm sido celebradas como novos propulsores de um link emotivo, intenso e memorável entre as pessoas envolvidas numa determinada conversa, estão a narrativa em primeira pessoa, o tom confessional, os detalhes pessoais, a fala emotiva, o estilo mítico, o sentido aberto e… as vulnerabilidades!!!
Por vulnerabilidade, entenda-se o conceito vindo do próprio dicionário: qualidade de vulnerável, desprotegido; condição de risco em que uma pessoa se encontra; conjunto de situações mais ou menos problemáticas que situam a pessoa numa perspectiva inferior a uma demanda com que convive e a afeta…
Sabe-se que toda organização tem algo que funciona direito, aspectos que lhe dão vida quando ela é vital, efetiva e bem-sucedida. O problema é fazer deste núcleo positivo a preponderância ou exclusividade de nossas exposições e pontos de interface, mesmo que eles aumentem a energia e inspirem ações de mudança. Chega um ponto em que a retórica organizacional resta questionada exatamente pela inabilidade em tratar dos fracassos, das instabilidades, dos retrocessos, dos titubeios. Pior ainda quando este olhar positivo é instituído em torno de metodologias em ascensão, como a Appreciative Inquiry (AI) ou Investigação Apreciativa (IA) – muito embora alguns comunicadores têm buscado uma visão um pouco mais crítica sobre ela, como se vê no artigo “A investigação apreciativa como estratégia de comunicação”, de Cleusa Scroferneker e Myriam Dutra, publicado na Revista Acadêmica do Forum Iberoamericano de Estratégias de Comunicação.
Concordo que foco em competências essenciais, talentos e habilidades, evidenciando as melhores práticas realizadas, é um caminho. Mas a ideia de construir um ideal é fantasiosa demais para a árdua realidade dos ambientes de trabalho. A teoria do processo de Investigação Apreciativa indica quatro fases principais: descobrir, sonhar, desenhar e executar. Na etapa do “sonhar”, é a hora de mergulhar nas histórias e ideias inspiradoras recolhidas para criar imagens novas e desafiantes da empresa e de seu futuro em torno do bom, do melhor e do possível. E só fico imaginando a beleza e a efervescência das histórias de dúvida, e o quanto elas podem também ser importantes para se buscar novos comportamentos.
A publicidade vem entendendo e propondo muito bem este outro enfoque. Recolhi alguns exemplos em VT´s veiculados nas televisões aberta e fechada nos últimos tempos. Todos expõem “fraquezas” de figuras públicas – ator, esportista, cantor -, assumidas a serviço da proposta de um diálogo mais franco de marcas específicas, e certamente de conexões fortes com os telespectadores em que se considera sua inteligência, para além do humor fácil. Vamos aprender com eles!?
http://youtu.be/zm03KV5KR-A
O discurso de Steve Jobs, quando foi pela primeira vez homenageado por uma turma de formandos da Universidade de Stanford, é outro exemplo da exposição de vulnerabilidades, e da potencialidade deste tipo de mensagem receber atenção e repercussão. Veja abaixo:
http://youtu.be/66f2yP7ehDs
Ótimo texto. Sempre questionei este posicionamento do vitorioso 100% perfeito, que mais afasta do que aproxima das pessoas normais.
Rodrigo,
Parabéns pelo excelente texto! Uma discussão pertinente para nossas empresas. E, como disse o Ramon, é um comportamento que mais afasta do que aproxima as pessoas.
Abraço.
Rodrigo, se fosse a empresa expressando uma falha, o movimento tem nome: flawsome e é uma grande tendência de comunicação! 🙂
Já tinha ouvido mesmo este termo nos relatórios da Trendwatching. Obrigado por trazê-lo aqui.
Obrigado pelos comentários, Ramon e Alexandre. Hoje desenvolvi um curso sobre storytelling na Aberje o dia todo – e até por isto não vim aqui antes – e um dos nossos temas de discussão foi justamente as "fraquezas organizacionais" sempre abafadas. É uma discussão importante pra os comunicadores se ocuparem.