Essa reflexão existe na minha cabeça faz tempo. A gente pode resumir ela com aquele velho ditado que diz que “mar calmo nunca fez bom marinheiro”. E no mundo das relações públicas, e da comunicação como um todo, a lógica é a mesma
Hoje, 14 de outubro, 20h38, quando escrevo este post, foi um dia incrível, como há muito eu não vivia. Rolou na minha vida discussão sobre a Tesla fechando seu departamento de RP, vídeo do Alf falando sobre o Nerdcast e a regulamentação, e uma enxurrada de comentários por lá falando do quão “injusto” é uma pessoa que não estudou 4 anos em uma faculdade de RP, usar o nome da profissão. E eu até concordo que é injusto, mas nos falta autocrítica, colega RP.
Enquanto você estudou 4 anos de RP na faculdade (muito importante, e chegaremos no diferencial real que isso trás, em alguns parágrafos) existem outras pessoas que não fizeram 4 anos de faculdade, mas dedicaram 10, 15 anos no mercado, trabalhando todos os dias com RP, fazendo pós em comunicação corporativa (cuja grade é quase igual a da faculdade de RP), mestrados e por aí vai.
Pequeno gafanhoto, 4 anos não te fazem mais especial ou melhor do que ninguém – e isso é especialmente verdade na visão do mercado, que quer profissional bom que resolve problema, quer seja RP, MKT, Jornalista ou qualquer outra coisa.
O primeiro ato desse texto, que coloca o dedo na ferida, assim como o vídeo do Alf, é pra gente pensar sobre o fato do quanto, apenas os quatro anos de faculdade de RP fazem um indivíduo ser melhor do que outro na prática. E o veredito é bem claro: zero!
Fim do primeiro ato
Prometo ser mais bonzinho neste segundo ato 🙂 A gente sabe que o mundo da comunicação é extremamente dinâmico e amplo. Quando eu me formei, em 2008, tinha Orkut e a gente se comunicava por SMS. Pacote de dado de internet (2g, diga-se de passagem) era muito caro. Rede Social era algo remoto ainda – o que tornava inexistente a profissão de “social media”, por exemplo. E isso não faz tanto tempo assim. Pra facilitar faça o exercício na sua realidade. Como era o seu mundo 10 anos atrás e como ele é hoje. Bem diferente não é mesmo?
Pois é, a comunicação muda muito e muito rápido, a faculdade é uma parte fundamental da sua formação, mas não garante nada na vida – você precisa se atualizar o tempo todo – e esse conhecimento está acessível pra todo mundo, que fez ou não faculdade de RP.
E isso nos leva para um ponto fundamental de conexão entre a discussão sobre o diploma (4 anos de faculdade) e a prática. A gente ainda vive em um mundo onde grande parte da função das áreas de comunicação das empresas é se relacionar com a Imprensa. Eu disse grande parte, não exclusivamente ou em totalidade. Social Media também vem ampliando sua relevância ao longo dos anos, e isso é muito bom.
Mas imprensa é ainda, eu diria, a parte principal. Basta olhar para os “job descriptions” de vagas em empresas, os tamanhos dos times voltados pra isso dentro das agências e muito mais. E a gente precisa concordar que ninguém melhor para se relacionar e entender de verdade o que um jornalista quer do que outro jornalista. Por isso vemos muitos jornalistas que “passaram para o lado de cá do balcão” e acabam “ocupando as vagas de RP” – como se elas fossem de uso especial.
Mas esse jogo, amige, está mudando.
Fim do segundo ato
Se o jornalista é o melhor profissional, na minha opinião (e você pode discordar disso), para executar o relacionamento com a imprensa, a gente pode facilmente conectar isso com o fato deste profissional ter sido preparado para isso, sua faculdade ensinou isso, a profissão, a jornada, tudo voltado para a lógica da relação de uma empresa com o chamado “quarto poder“.
O RP não, ele é um profissional “amplo e estratégico”, dizem. A formação do Relações Públicas é abrangente, passa pela imprensa sim, mas toca relações governamentais, novas mídias, eventos, comunicação interna, produção de conteúdo para múltiplos canais. Se tem uma coisa que a faculdade de RP torna o profissional diferente dos demais é nessa mentalidade: RP é formado, formatado, para olhar e pensar sobre o todo desde o princípio. Já o jornalista é formado para olhar principalmente (na lógica da faculdade) para a imprensa.
O contexto em que a gente vive hoje, 2020, é bastante diferente daquele que existia quando as grades de ambas faculdades foram definidas – temos infelizmente o encolhimento dos veículos de imprensa, demissões recorrentes de jornalistas, fechamento de jornais, migração para o digital, uma revolução completa na indústria do jornalismo. O movimento que vimos da Tesla, de fechar seu departamento de “Press Relations” ou relações com a Imprensa, e não Relações Públicas, puramente dito, também encontra sustentação neste cenário.
A empresa pode, e deve (sempre devia, na verdade), usar múltiplos canais para se comunicar e relacionar com seus públicos (olha a faculdade de RP aqui). Imprensa é um deles, e não estou justificando a decisão da Tesla, longe de mim fazer isso, mas apenas propondo um outro olhar. A Tesla e qualquer outra empresa deve olhar para além da Imprensa. Pensar em formas diferentes e complementares de atingir seus públicos, de apresentar sua mensagem e de se relacionar com eles – existem diversos.
Todo mundo pode adequar a sua mentalidade e se aproximar mais das RPs. Mas pra você, que se formou em RP, que fique claro uma coisa: a sua vantagem competitiva não é o seu diploma e a sua carteirinha de RP, mas sim essa mentalidade que você adquiriu durante a faculdade. Use ela com sabedoria e exercite ela ao longo do tempo. Mercado sem competição nunca fez bom profissional de RP.