Roberto Porto Simões foi um psicólogo por formação e mestre em Psicologia Organizacional. Com seu doutorado em educação, pela PUCRS, defendido em 1993, entrou definitivamente para a história das Relações Públicas do Brasil. Construiu a partir de então uma trajetória de inestimável reconhecimento, findada em 20 de janeiro de 2018, com o seu falecimento aos 82 anos de idade.
O legado de Simões com a sua relevante e decisiva contribuição para a consolidação teórica da profissão segue vivo – seja nos livros, nas salas de aulas ou na prática profissional.
Este texto, precisamos dizer, não é uma homenagem. Afinal Simões sempre dissera que após sua partida não as apreciaria. Em vida, sim, e teve de fato digníssimos reconhecimentos como mostraremos em seguida
Na verdade este texto é um serviço prestado aos estudantes, profissionais e, mais do que isso, à profissão. A história de Roberto José Porto Simões se confunde com a história das Relações Públicas no Brasil e esse legado tem de ser sempre preservado.
A Trajetória de Simões
Nascido no Rio Grande do Sul em 21 de abril de 1935, Simões iniciou sua carreira no Exército Brasileiro onde foi coronel reformado e lecionou no magistério militar. No ensino superior, formou-se em Psicologia em 1964 e, dez anos mais tarde, concluiu seu mestrado em Psicologia Organizacional, ambos na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Entre os anos de 1989 e 1993 construiu e defendeu sua tese de doutorado em educação com o tema “Relações Públicas: função política – uma teoria para o ensino e a prática da atividade”, tornando-se definitivamente uma das maiores personalidades da profissão no país e, inclusive, na América Latina.
Ainda na década de 70, Simões fez parte do Conselho Regional de Relações Públicas da 4ª Região, que compreende Rio Grande do Sul e Santa Catarina.
Professor por mais de três décadas, foi o primeiro Coordenador do Curso de Relações Públicas da Famecos – escola de comunicação, artes e design da PUCRS, além de também ter coordenado o curso de Relações Públicas na Feevale, faculdade de Novo Hamburgo/RS.
Além de lecionar, Simões prestou assessoria para diversas empresas como a Rádio Guaíba, Associação Brasileira de Revendedores de Veículos, Sindicato dos Professores e Instituto de Desenvolvimento Empresarial do Rio Grande do Sul, Impacto Propaganda, Unesul Transporte e Táxi Aéreo, entre outras.
Sua contribuição com as Relações Públicas perpassa também pelo seu amor e dedicação à área, tendo parte significativa de sua trajetória atrelada à movimentos regionais e nacionais que se propuseram a discutir a profissão.
Além de participações na Federação Interamericana de Associações de Relações Públicas e na Associação Brasileira de Relações Públicas, foi membro da comissão que redigiu o documento final do Parlamento Nacional.
O Parlamento Nacional e a Carta de Atibaia
No ano de 1997, mais precisamente nos dias 17, 18 e 19 de outubro, no Hotel Eldorado Village de Atibaia, em São Paulo, ao lado de outros notórios profissionais como Fábio França e Cândido Teobaldo, Roberto Porto Simões foi um dos designados a redigir a Carta de Atibaia, no Parlamento Nacional de Relações Públicas.
O documento histórico trouxe riquíssimas considerações e ponderações acerca dos marcos e desafios da profissão no país. Destacam-se 3 aspectos principais:
1) A desregulamentação da profissão
Contrariando a posição do Parlamento como um todo, a Carta de Atibaia enfatiza a necessidade da profissão de Relações Públicas ser desregulamentada.
Trazendo situações latentes à época como a globalização e o tratado de livre circulação de serviços na América Latina, Simões e os demais membros dessa comissão apontaram que a manutenção da lei reguladora vigente não era sadia para as Relações Públicas do Brasil.
2) As Relações Públicas como fator fundamental para a democracia
A Carta de Atibaia apresenta a atividade profissional de Relações Públicas como decisiva para a construção do que chamara de “nova sociedade”, sustentando a tese no papel desempenhado pela profissão na consolidação da democracia a partir da plena comunicação dos negócios públicos.
A isso designaram o nome de Comunicação Pública.
O termo foi motivo de ressalvas na Carta, pelo fato de caber reflexão posterior para o efetivo amadurecimento. Mas como Comunicação Pública definiram o “processo permanente baseado na autenticidade e na transparência das informações que obrigatoriamente devem ser disseminadas pelas várias instâncias que compõem o poder público”
Muito mais do que uma comunicação formal simplória ou então uma prestação de contas, trata-se aqui de promover um fluxo da comunicação entre as necessidades da sociedade e as instituições públicas. É um conceito prático de Relações Públicas comprometido com o exercício da democracia.
3) Relações Públicas para resultados
A Carta de Atibaia assinada e redigida por Simões traz um capítulo específico sobre a importância de se pensar e fazer Relações Públicas para a obtenção de objetivos de gestão, com foco em resultados mensuráveis.
O texto salienta que a profissão não se define pela execução de ações comunicacionais e apresenta uma proposta de conceituação da atividade/fim: “papel de administrador dos conflitos de poder surgidos nos relacionamentos necessários para a consecução de objetivos”.
A Teoria da Função Política de Simões
Roberto Porto Simões escreveu diversos livros e artigos de fundamental importância para a base teórica da profissão. Em “Informação, Inteligência e Utopia” apresenta a informação como matéria-prima da prática profissional.
Também escreveu Relações Públicas e Micropolítica, mas foi no livro “Relações Públicas: Função Política” que Simões trouxe seu maior contributo e onde define a atividade como um “processo pluridimensional de interações das organizações com seus públicos”
O conceito apresentado na Carta de Atibaia – de administrador dos conflitos de poder – está presente em toda sua obra e, para Simões, a base da atividade de Relações Públicas se dá no vínculo entre poder, informação, conhecimento e comunicação.
A Teoria da Função Política de Relações Públicas defende que administrar a função política é essência da profissão, administrar conflitos é circunstância e administrar a comunicação é aparência.
A Função Política das Relações Públicas, de acordo com o autor, está ligada ao indivíduo, aos públicos, conforme o tipo de poder que determinado público exerce sobre uma organização. A partir deste raciocínio, Simões definiu quatro tipos de óticas sobre públicos de interesse com base no poder que possuem. São eles o poder de decisão, o poder de consulta, o poder de comportamento e o poder de opinião.
O olhar de Simões sobre públicos de interesse e relações organizacionais é bastante particular, já que o autor foi um dos primeiros teóricos a considerar as expectativas construídas entre as partes na relação organização-público. Por isso, seu olhar parece adotar uma perspectiva humanizada sobre a análise de públicos, que é voltada, também, para o indivíduo e seus objetivos e interesses, o que faz sua teoria permanecer atual mesmo depois de mais de duas décadas desde a sua apresentação.
As premiações
Foram inúmeros os prêmios, menções e homenagens dedicadas ao Simões. Desde medalha de reconhecimento aos 25 anos de serviços prestados pela PUCRS até o Prêmio Nacional Opinião Pública, esse concedido pelo Conselho Regional de Relações Públicas (CONRERP) da 2ª Região SP/PR.
Outros conselhos regionais também o homenagearam, como o CONRERP do Rio de Janeiro que lhe concedeu o Prêmio Ideias Profissional Nacional do Ano; e o Conselho da 4ª Região que compreende o Rio Grande do Sul e Santa Catarina, premiando-o com o Prêmio Profissionais de Relações Públicas que fazem e acontecem.
No ano de 2013 o CONRERP da 4ª Região criou o prêmio destaque Roberto Porto Simões, entregue no seu primeiro ano ao próprio professor gaúcho e, na sequência, premiando profissionais de atuação relevante no mercado profissional. O professor Simões, aliás, também recebeu o Prêmio Professor Nota 10, da Associação Rio-grandense de Imprensa.
Nas palavras de quem conviveu com Roberto Simões
Simões foi e é indiscutivelmente um expoente e protagonista das RPs no país e para além de suas fronteiras. Com uma trajetória irretocável que compreende décadas formando novos profissionais, dedicações diversas aos movimentos organizados e uma teoria que fundamenta uma visão de Relações Públicas sólida, forte e complexa, Simões deixou marcas.
E essas marcas não são só em textos, materializam-se em pessoas que tiveram o privilégio de tê-lo como professor e colega. Separamos alguns depoimentos para dimensionar também o lado humano de Roberto José Porto Simões.
Ana Karin Nunes, professora de Relações Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul:
“Tive a honra de tê-lo como professor e orientador e, através dele, compreender realmente a missão social da profissão que escolhi. Entrava na sala de aula e perguntava à turma “galhos?”, na tentativa de saber o que nos afligia no dia e mobilizar o início da aula. Não permitia qualquer “conversa chorosa” sobre a importância de Relações Públicas . Dizia que em lugar das queixas, deveríamos dedicar nosso tempo a fazer pesquisa séria, porque isso nos garantiria reconhecimento verdadeiro”. (Depoimento publicado originalmente no Facebook)
Andreia Athaydes, professora universitária da ULBRA e FACCAT, e ex-presidente do Conselho Federal de Relações Públicas:
“É, Simões, sua história é bonita! Você deixou marcas na história da nossa profissão, conseguiu levar suas ideias além das fronteiras deste país! Sentia (e ainda sinto!) orgulho, ao participar de congressos na América Latina, e depois na Espanha, de ouvir a seguinte pergunta: “?De Brasil? Que bárbaro! La tierra de Porto Simões y Teobaldo Andrade.” Sim, aguerrido Simões! Você plantou sementes não apenas nas gerações de relações-públicas brasileiros, mas também latino-americanos e espanhois. Sim, Simões, você é considerado por nossos “hermanos” como o principal teórico de Relações Públicas da América Latina. O cara aquele que “pensou e estruturou” um arcabouço teórico para RP: a teoria da função política.” (Depoimento publicado originalmente no Facebook)
Fabiane Klafke, Relações Públicas sócia da consultoria Otimifica e do coletivo Todo Mundo Precisa de um RP:
“A teoria da função política é incrível. Tive aula com ele no início da faculdade e hoje, uma década depois, é perceptível no meu cotidiano profissional a importância do que Simões conceituou. Depois de ter experiências práticas se encontra na rotina a teoria da função política. Simões deixa um grande legado e se eterniza em sua teoria, que ganha vida dia a dia no nosso exercício profissional”. (Depoimento concedido especialmente para o Blog RP)
Guilherme Alf, Relações Públicas multiempreendedor e cofundador do coletivo Todo Mundo Precisa de um RP:
“Simões era um professor muito rígido, mas que tirava sempre o melhor de seus alunos. Não olhava apenas para uma nota fria de prova, tinha a capacidade de avaliar o todo da formação profissional. Certa vez em uma pergunta numa aula, eu respondi e a turma ficou surpresa pois eu de fato não era tão assíduo, e Simões então falou que eu tive a capacidade de responder por estar no mercado, aprendendo. Reverenciado pela construção de uma teoria brilhante, também dava muito valor à prática, entendendo a necessidade das duas coisas coexistirem em sintonia”. (Depoimento concedido especialmente para o Blog RP)
Fica aqui o nosso profundo agradecimento a este profissional que trabalhou durante toda a sua vida para impulsionar o cenário das Relações Públicas no Brasil e além das suas fronteiras.
*Davi Guilherme é bacharelando em Relações Públicas e integrante do Time de Conteúdo do Blog RP.