Há dois tipos de relatos de histórias, rotulados de empíricos e ficcionais. A narrativa do tipo ‘empírica’, que substituiu a fidelidade ao mito pela fidelidade à realidade, pode ser subdividida em histórica e mimética. O componente histórico sobressai-se pela base na verdade do fato e do passado, buscada na mediação de tempo e espaço e de conceitos de causalidade. O componente mimético foca na observação do presente, a partir de conceitos de comportamento e processos mentais, com uma tendência à ausência de enredo e ao recorte de partes pontuais. O ramo ficcional da narrativa parte para a fidelidade ao ideal e apresenta dois subtipos: romântico e didático. Há uma liberdade em relação à tradição e ao empirismo dos modelos antes aqui mencionados, com preferência para a beleza e a bondade. No mundo romântico, prevalece a justiça poética e as artes e adornos da linguagem. A subdivisão didática diz respeito a um formato discursivo breve, com impulso moral e cognitivo, que deixa um recado significativo.
Por uma série de razões, que venho falando aqui em posts anteriores, eu defendo que a matéria-prima para a constituição da narrativa é a experiência memorizada e evocada, que pode ser reinterpretada e reinventada. De todo modo, as fronteiras entre narrativas ficcionais e históricas são esfumaçadas: as concepções de que ficção é concebida como representação do imaginável e história como representação do verdadeiro tem seus questionamentos. Pra muitos, na verdade tudo seria uma simulação.
Mas por que estou falando nisto tudo?
Bem, lá vamos nós lembrar do desastre da simulação de história vivida, depois revelada como um falseamento publicitário, da Nokia… Não sabe nada do tema? Dá uma olhada neste link no grupo de Relações Públicas no Facebook .
Basicamente, a campanha começou no dia 10 de julho de 2012, com um vídeo postado no YouTube em que o jovem Daniel Alcântara supostamente pedia a ajuda das pessoas para encontrar Fernanda, uma garota que conhecera em uma casa noturna de São Paulo. A história, até então, não estava identificada como publicidade, e foi intensamente compartilhada em redes sociais por internautas que se comoveram com o apelo do rapaz. Seu tom confessional, numa gravação feita como se segurasse a câmera, era bem convincente – a despeito de críticas (pra mim, críticas até bem arrogantes…) de alguns sobre uma suposta evidência de peça comunicativa de marca. Depois, houve a “revelação” de se tratar de uma pseudo-história, ou seja uma história inventada e no caso a serviço do lançamento de um novo aparelho de celular.
[youtube http://www.youtube.com/watch?v=OgCwDe-ZC3g&w=560&h=315]
As repercussões foram absolutamente negativas, com uma série de pessoas antes engajadas desistindo dos seus tweets, curtidas, compartilhamentos e também condenando seriamente a empresa. Falando em condenar, veja esta matéria da revista Exame, indicando que o tema chegou ao Procon e ao Conar, com possibilidade de multa vultosa.
E também teve reação divertida, como de uma paródia.
[youtube http://www.youtube.com/watch?v=CgsyBF9H4XE&w=560&h=315]
O ensinamento mais básico deste fato comunicativo: não dá mais pra acreditar na inofensividade da interfaces de comunicação. Coisas feitas por “brincadeira”, por teste – na compreensão de que tudo é “beta”, num mundo interconectado e com uma polifonia de vozes em circulação, pode sair do controle. Aliás, se é que algum dia nós, comunicadores, tivemos algum controle sobre alguma coisa em se tratando de percepção dos públicos sobre nossas intenções de identidade organizacional…
Embora alguns ainda insistirão em dizer: “certo, mas está todo mundo falando da marca!!”. É, ainda tem gente que acredita na máxima “falem mal, mas falem de mim”, o que particularmente acho muito perigoso porque a memória digital, permitida por exemplo por mecanismos de busca, pode dar uma certa perpetuidade para os acontecimentos, e o que era passado pode ser trazido à tona em diversas oportunidades, contaminando outras pessoas com a visão negativa sobre o “deslize”.
Talvez você pergunte: ok, mas alguém morreu? Até onde sei, só a reputação da Nokia. E cá pra nós isto já dá um prejuízo enorme. Então, na hora de mexer com storytelling, no mínimo ouça profissionais e pesquisadores sobre o tema. Não é um recurso retórico pra qualquer um.
Vi que 3 amigas tinham curtido a página "Perdi meu amor na balada", achei o título curioso e fui ver o que era. Muitas pessoas já estavam falando "é viral, é propaganda da Casa 92", mas sinceramente, acreditei que a história fosse verdadeira. Porém, não curti a página.
Quando vi a notícia de que era uma propaganda da Nokia achei absurdo! Não tinha nenhuma relação com propaganda e ainda me fez perder a vontade de comprar algo da marca, principalmente o celular!
Vi que a agência responsável pelo vídeo se chama NA JACA (ok!) e é nova no mercado. Acessei o site najaca.com.br e encontrei a seguinte frase sobre a agência "É a comunicação de forma INTEGRADA, com foco nos resultados e na inovação". Quando vejo a palavra INTEGRADA penso em PP+RP+JO+WEB. Mas pelo que vi, RP não tem.
O que vejo muito hoje são agências que fazem mau uso das palavras inovar e surpreender, e quando essas entram em questão é preciso ter bom senso!
Legal seu comentário, Carol, afinal não só deixou sua opinião como também agregou mais dados ao post. Não tenha dúvida de que o manejo de terminologias pelo mercado está muito abaixo da responsabilidade esperada, porque o vocabulário cresce primeiro do que a realidade do pensamento e da prática das agências. Primeiro se é "agência de comunicação integrada" pra depois correr atrás do que isto deve significar para os clientes a serem atendidos. O passo seguinte e pior do que este é fazer aquilo a que se propõe, mas de maneira mal feita, por ingenuidade, incompetência ou outros fatores.
Ótimo post, Rodrigo.
Quem dera mais profissionais da área tivessem a sua lucidez.
Abraço e boa semana!
@PHLemos.
Talvez Paulo, eu busque ter uma visão mais ampliada sobre o uso do formato retórico escolhido pela Nokia porque foi tema do meu Mestrado na USP, recém-finalizado e que é alvo de todos os posts aqui no blog. Entendo que nem sempre, no dia-a-dia do mercado, é possível aos profissionais terem tempo pra esta perspectiva de contexto, mas penso também que é assim que entregamos de fato mais valor em nossa prestação de serviço aos nossos clientes. Fazer algo sem pensar ou por modismo, pode resultar neste tipo de enrascada que a Nokia se meteu.
Rodrigo,
infelizmente, nem todas as ações corporativas vêm acompanhadas de transparência e isso acaba pesando e muito no resultado final de aceitação dos públicos que se quer atingir. A Nokia está colhendo um pouco dessa falta de transparência em sua ação…
Excelente post.
Beijos. @carolterra
Pois é, esta questão da transparência radical se torna difícil de entender e aplicar quando estamos falando de uma produção de conteúdo mercadológico – diferente do ponto-de-vista institucional que prevalece neste blog, afinal somos relações públicas. Isto porque é característica desta vertente de comunicação aproximar-se do encantador, do fabuloso, do sedutor. Problema é que se consegue atenção e até "engajamento" das pessoas no tema, mas logo lá na frente este foco discursivo não se mantem, ele desmorona diante de uma preferência dos públicos por relações mais autênticas, menos falseadas. Agradeço seu comentário.
Pois é, nos tempos de hoje não se pode brincar com as redes sociais, pois elas afetam diretamente às emoções das pessoas. Excelente post, parabéns!
Seu comentário me fez pensar se isto tudo estaria acontecendo se não tivesse havido uma mobilização relativamente ampla justo pelas redes sociais digitais. Quer dizer, se tivesse sido um VT publicitário convencional na TV fechada ou na aberta, primeiro que ficaria evidente que era uma propaganda, e segundo que tipo de engajamento teria despertado nas pessoas para encontrar a tal menina? Enfim, você traz uma questão absolutamente importante, obrigado.
Achei bem interessante o artigo, Rodrigo. Assim que vi o vídeo, senti que era um viral pela qualidade do material, principalmente. Me interesse muito pelo assunto e desenvolvi uma pesquisa de conclusão do meu curso de Relações Públicas da Uerj, onde falei sobre os vídeos virais como uma nova forma de propaganda. Essa iniciativa da Nokia não é a primeira… Fazer com que o público pense que a história é real, é a principal estratégia dos vídeos que tentam se passar por espontâneos. Esse foi o caso do Danilo Miedi que "divulgou" a chegada do novo Orkut. Talvez a Nokia tenha pecado no apelo escolhido, o amor, e na história mal contada, não no fato de se passar por real, já que é uma estratégia desse meio e, acredito eu, que não possa ser confundida com transparência institucional.
Grande Abraço e obrigada!!
É Luana, se a Nokia tivesse continuado a agir como o anunciante que foi – ou seja, veiculador de um conteúdo, de cunho fantasioso (inventado), e que depois sai de cena "sem conversar mais" – as coisas seriam bem diferentes e nosso papo aqui poderia enveredar para outras especulações. Mas, do jeito que foi, buscando parecer ser o que não era, infringiu a relação que poderia manter, ter mantido ou vir a manter com uma série de pessoas que se sentiram tão somente enganadas. Eu justamente não confio na publicidade convencional porque este recurso não pode cumprir nem de perto a tal "transparência institucional" – mas enfim, isto é questão de ponto-de-vista. E no meu caso de formação como relações públicas.