Este longo texto propõe uma reflexão não extensiva sobre o caso das minas de sal-gema da Braskem em Maceió do ponto de vista da comunicação corporativa e baseado nos eventos observáveis pelo público (via imprensa, internet, etc).
No dia 29 de novembro, a Defesa Civil de Maceió (AL), emitiu um alerta sobre a iminência do desabamento de um dos poços da mina de exploração de sal-gema da Braskem na cidade. Os dias que seguem esta data (até a publicação deste post), mostram uma sucessão de decisões que apontam para um desalinhamento entre departamentos da empresa, postura conflitante com a narrativa que a Braskem tenta construir, e consequências desastrosas para a “geração de valor ao acionista” que, em última instância, é o foco de qualquer corporação privada (e sem juízo de valor aqui).
As Relações Públicas/Comunicação Corporativa não é a responsável por contornar sozinha este tipo de problema. É usual que os departamentos de comunicação enfrentem dificuldade em ter voz ativa na mesa de tomada de decisões de problemas dessa magnitude – mas olhando sob essa ótica, estamos diante de um caso interessante e que nos traz inúmeras reflexões sobre posturas que defendemos que devemos adotar, e aquelas que efetivamente as empresas adotam em situações de risco.
Em 12 dias as ações da Braskem na B3 caíram mais de 20%, tirando R$3.5bi de valor de mercado da companhia.*
Contexto
No caso de Maceió, a iminência de colapso englobava uma área de aproximadamente 20% do território da cidade, abrangendo cinco bairros da capital. Vinte por cento. A exploração de sal-gema (saiba mais no vídeo abaixo) iniciou-se em 1979 e foi encerrada em 2019, quarenta anos depois, e logo após a divulgação de um relatório do Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Governo Federal, indicando que a responsabilidade pelo afundamento do solo na região é da Braskem – o que afetou mais de 15 mil imóveis, e mais de 60 mil famílias de 5 bairros da capital alagoana.
Oportunidade perdida: controlar a narrativa
Com base na minha experiência, a maior oportunidade perdida pela Braskem nessa jornada foi a de controlar a narrativa, mesmo que não conseguisse ditar completamente o caminho que ela seguiria.
O quadro abaixo mostra os principais acontecimentos do caso. Se olharmos com atenção, nos primeiros 5 dias a empresa opta por enviar notas à imprensa, com conteúdo vago e que ocuparam pouco espaço na cobertura jornalística, mesmo com o assunto ocupando as principais manchetes do noticiário.
E não debato aqui a decisão adotada pela empresa, de seguir com notas, ao invés de colocar um executivo para dar entrevistas, mas a efetividade do caminho adotado foi baixíssima frente ao tamanho da atenção que o tema recebia. Balizar bem o poder da resposta (em tom, tamanho e mais) é fundamental para ancorar o debate de forma adequada e conseguir controlar a conversa, não ser dragado por ela.
A postura adotada contrasta muito, de maneira ruim, com a narrativa adotada pela Braskem. ESG é um dos principais destaques de seu site, que ainda evidencia sua “inovação sustentável, responsabilidade social e direitos humanos, combate às mudanças climáticas e ecoeficiência operacional”, ignorando completamente a narrativa que a empresa tenta emplacar ao longo dos anos.
Opção pelo “silêncio”
A opção pelo “silêncio” foi dominante nos primeiros dias, com poucas notas, muitas vezes questionadas pela própria imprensa. Como desdobramento, a empresa também optou por retirar sua participação da COP28, evitando exposição e mais desgastes – eu tomaria a mesma decisão diante da situação.
Entretanto, foi apenas no quinto dia após o início da crise que Roberto Bischoff, diretor-presidente da Braskem, fez um comentário sobre o caso, de forma corriqueira em um evento da indústria. Na ocasião ele disse:
“Infelizmente, [esse tema] entra em alguma situação política que a gente acaba tendo informações distorcidas, redes sociais.”
Roberto Bischoff, diretor-presidente da Braskem
O destaque não foram as pessoas afetadas, não foi o meio ambiente, não foi a humanização da situação – foi a política!
Nos primeiros dias do caso também proliferaram nas redes sociais críticas pela falta de transparência da empresa sobre o caso. Em um hotsite de difícil acesso, e que depois passou a ser promovido em resultados de busca, a empresa passou a produzir e publicar conteúdo “atrasado” com o histórico do ocorrido. Ao passo que o hotsite poderia ser uma poderosa ferramenta de “controle” de narrativas e informação, a demora em publicizar e centrar o debate por lá tornou a iniciativa pouco eficaz.
A própria narrativa do hotsite foca mais em enaltecer pontos da Braskem que estão sendo questionados pela atual situação do que re-ancorar o debate ou baixar a temperatura do caso.
Valor ao acionista
Do ponto de vista de geração de valor ao acionista, base do capitalismo (sem crítica alguma), o caso também parece um desastre. Desde o início dos problemas a Braskem já provisionou R$ 14,4 bilhões para os eventos relacionados ao afundamento do solo de Maceió. Esse valor é 3,5x maior do que o orçamento anual do município para 2023. Fora o valor empenhado para contornar a situação, nos dias que seguiram o caso, as ações da Braskem despencaram mais de 20%, varrendo R$ 3.5 bilhões de valor de mercado da companhia – quase a totalidade do orçamento do município.
“provisionar significa que ela reservou e carimbou como dinheiro destinado para os desdobramentos deste caso.”
Além disso a B3, bolsa de valores, removeu a Braskem do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), em mais um dano à imagem e reputação da empresa. A parte interessante é que mesmo injetando 14 bilhões de reais em ações para “remediar” problemas decorrentes de sua exploração, ela não assume efetivamente responsabilidade sobre o caso.
Confiança é um ativo que demoramos para conquistar e que perdemos muito rápido. Tendo passado por empresas como Uber, Meta e iFood e participado destes fóruns de tomada de decisão, sei que isso nunca é tarefa simples ou consenso, mas é inevitável pensar quanto os investimentos antecipados em comunicação poderiam ter evitado de perda para a empresa já que prevenir é sempre melhor do que remediar. Reconstruir a imagem e a reputação de qualquer instituição é um trabalho longo e que demanda muito esforço e tempo.
A briga do Jurídico e da Comunicação
Este, pra mim, é o ponto central de qualquer gestão de crises, hoje. Minha experiência mostra que quanto mais próximos estiverem os departamentos de Comunicação Corporativa e Jurídico, melhor são os resultados globais para a empresa. Se Políticas Públicas também fizer parte deste grupo, melhor ainda.
Mas historicamente os advogados jogam o jogo com o regulamento embaixo do braço. E isso faz sentido do ponto de vista jurídico. Aqui, assumo que a Braskem está realmente respaldada por todas as documentações e negociações que se desenvolveram ao longo dos anos – indepentende de serem boas ou ruins para a sociedade. Provavelmente ela não assume responsabilidade pelo caso pois, de fato, pela negociação feita, ela cumpre com tudo o que foi acordado para a exploração do sal-gema.
Entretanto, em 2023 estamos cansados de saber que apesar da condenação no judiciário ser incerta, a condenação pela opinião pública é mais veloz e mais custosa – independente do resultado dos tribunais (e usualmente esses resultados são diferentes).
Antecipar o debate e endereçar de forma rápida a opinião pública e grupos de interesse e de pressão da empresa ajudam, e muito, a diminuir a latência sobre o tema, a desconfiança contra a empresa e também os danos à reputação e à imagem da corporação. E responder de forma adequada à opinião pública não precisa conflitar com as necessidades do departamento jurídico. Encontrar o meio termo entre transparência e respaldo jurídico é um exercício que demanda empenho e empatia de todos.
Uma nota que poderia ter saído rapidamente da Braskem, ainda em novembro e sem abrir flancos jurídicos, é:
“Na Braskem, estamos cientes dos acontecimentos recentes nas minas de sal-gema em Maceió (AL). A nossa prioridade é trabalhar em parceria com as autoridades e com o poder público para prestar toda a atenção e acolhimento necessários para os moradores da região. Ao todo estamos investindo mais de R$14 bilhões em ações de amparo, e o nosso foco segue sendo a manutenção da integridade das minas, os supostos impactos ao Meio Ambiente e a atenção à população local. Todas as atualizações sobre o caso podem ser acompanhadas em braskem.com.br/alagoas”
(em duas ou três revisões da até pra ficar bem melhor do que isso)
Briga política
O contexto político envolvendo o caso se estende muito além do que conseguimos compreender aqui de fora (mais, aqui). Fato é que a empresa foi dragada ao centro de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado Federal. Mais um episódio que vai manter a empresa nos noticiários, demandar depoimento de funcionários e pode afetar ainda mais a imagem, reputação e valor de mercado da Braskem. Para a comunicação, mais uma frente que demandará atenção e esforços da empresa e dividirá recursos com uma situação que ainda está em evolução.
É complicado, mas já temos escola
Navegar uma crise é algo extremamente complexo. Quem está de fora sempre tem as melhores soluções. “Especialistas no assunto” vemos aos montes, mas o fato é que são poucos os profissionais com bagagem e experiência suficientes em temas de repercussão nacional – e de fato crises, não problemas.
Falar de crise ainda é um tabu no mercado. Neste ano, como jurado da categoria de “Gestão de Crises” do Prêmio Aberje, analisamos quatro cases inscritos, e foi fácil identificar dois grandes grupos de cases: dois deles focando na revisão/estruturação de comitês de crise, algo louvável, e dois outros de gestão efetiva de crises. O prêmio ficou dois anos sem receber inscrições para esta categoria, e é justamente o olhar para o que passou, de bom e de ruim, que nos ajuda a refletir, melhorar e evoluir. Mas ainda é praxe do mercado apenas falar sobre um case quando as coisas terminam “bem”. Uma pena (e faço minha mea-culpa aqui).
Com o passar dos anos aprendemos que conquistar a “licença social para operar” é um dos objetivos mais relevantes de uma empresa que está no centro dos debates ou que têm grande impacto na sociedade. Esse trabalho passa necessariamente pela construção de uma relação de confiança sólida. Narrativas são importantes neste processo, mas são apenas uma pequena parcela da equação. E mesmo com muitos exemplos para nos inspirar, vemos cada vez mais e mais ações ruins de gestão de crises.
Só se preparar com um manual bonito e alguns statements prontos não é o suficiente. É preciso garantir que o plano posto no papel (que tudo aceita), é realmente realista e condizente com a realidade em que vivemos hoje, de velocidade de informação e constante cobrança da responsabilidade das empresas. Nos dias de hoje é preciso ser intencional.
Empresas que apenas declaram publicamente que “estão acompanhando” uma situação, sem humanizar e se conectar de verdade com o leitor, com a sociedade, vão ficar para trás, vão sofrer danos reputacionais e vão penar para reconquistar a confiança da sociedade e o valor ao acionista.
*Período analisado: de 29 de novembro de 2023 ao fechamento do mercado em 11 de dezembro do mesmo ano com queda de R$ 4,41 por ação da BRKN5.
E deixando um agradecimento especial para Jardel, Carol Andreis, Ana Manssour e Laura pelos pitacos e revisão do texto